Parte 1: Negociação em Situações Críticas e com a Presença de Reféns

Nos últimos meses temos observado o ressurgimento de um tipo de evento especialmente caro à sociedade: ações criminosas que, por motivações diversas, culminam em um quadro onde vítimas são feitas reféns.

Ações criminosas como essas não são uma exclusividade brasileira – são globais. Elas ocorrem por variadas razões, desde pressionar o poder público para atender suas exigências até preservar sua própria segurança quando o plano original falha, resultando em confronto com a polícia. Nesses casos, eles podem restringir a liberdade dos cidadãos, mantendo-os sob custódia.

Para fazer face a esses eventos, as forças militares e policiais têm desenvolvido programas de seleção de pessoal e de treinamento/capacitação posterior específicos para lidar com essas situações. Tal medida tem levado ao contínuo desenvolvimento de técnicas especiais não apenas para as Forças Táticas (aqui entendidas como aquelas que são especificamente preparadas para, por meio do uso da força, debelar a ameaça, salvaguardar a integridade dos reféns e/ou recuperar o controle sobre as instalações ora dominadas pelos criminosos), mas também para aqueles que, para o sucesso da operação, devem ser o único elo entre os meliantes e o mundo externo: os negociadores.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Ao olharmos em retrospectiva, observamos que essa evolução tem suas raízes em meados da década de 60. Até então, em que pese o significativo crescimento de casos envolvendo eventos de sequestro, as forças policiais insistiam em se contrapor às ameaças usando a lógica então vigente do campo de batalha: imposição pela força, baseada na superioridade numérica e o ataque direto (normalmente frontal), a partir de uma doutrina que já se mostrava inadequada àquelas situações. Invariavelmente, tais as ações implicavam em alto número de baixas de lado a lado – não apenas de criminosos, mas também de policiais, reféns e, não raro, pessoas inocentes que sequer tinham envolvimento direto nos eventos.

Em decorrência do desgaste junto a uma opinião pública que não aceitava os tenebrosos resultados até então obtidos, autoridades iniciaram um movimento que visava a capacitação de equipes para lidar com essa nova realidade. Um bom exemplo disso foi a criação, nos idos de 1967, da SWAT (Special Weapons and Tactics) do Departamento de Polícia de Los Angeles (LAPD), que pode ser considerada como Cellula Mater 1 da iniciativa de criação de equipes de intervenção tática nos Estados Unidos da América. A medida, posteriormente replicada em outras Cidades / Estados, contou não apenas com o desenvolvimento de novas técnicas e procedimentos táticos, mas também com o emprego de armas mais sofisticadas e compatíveis com esse tipo de ação.

No entanto, a revolta ocorrida em 1971 no presídio de Attica, em Nova York, mostrou que apenas alterar as táticas e armas empregadas não seria suficiente: o saldo da operação foi igualmente desastroso, com a morte de 28 detentos e 11 dos 39 reféns (guardas penitenciários). O pior? O resultado dos exames balísticos comprovou, de forma irrefutável, que as todas as mortes foram causadas por disparos feitos a partir das armas dos policiais!

Nos anos seguintes, com destaque para os eventos adversos ocorridos durante as Olimpíadas de Munique (terroristas palestinos fizeram 11 reféns da equipe de olímpica de Israel) deixaram ainda mais claras as suspeitas de especialistas: não era possível apenas pensar em opções táticas para solucionar situações similares. Corroborava com essa ideia alguns resultados práticos observados em casos sensíveis que, mesmo contando com o importante elemento “refém”, tinham sido solucionados por meio do emprego de negociações improvisadas, ainda que os negociadores designados estivessem apenas usando seu feeling para conduzi-las.

Para superar essas dificuldades, o Federal Bureau Investigation (FBI) – assim como vários departamentos de polícia americanos – começaram a conceber e implementar ousados planos de capacitação que envolviam não somente as chamadas equipes táticas de intervenção, mas também a formação e desenvolvimento de equipes de negociação profissionais. Considera-se o Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYDP) como precursor dessas iniciativas (1973).

1 Cellula Mater provém do latim e significa “Célula Mãe”, contemplando a ideia de fundamento de algo, sua base

TIPOS DE NEGOCIAÇÃO

Embora possamos dizer que muitos dos conceitos empregados nas negociações em geral permaneçam válidos nesse tipo de ação, é fato que o ambiente e a situação impõem características próprias a esses eventos, a ponto de podermos falar que se trata de uma negociação de outra “natureza”.

É importante mencionar que os negociadores nesse tipo de negociação assumem o papel de elo único entre os criminosos e o mundo externo – principalmente em relação ao chamado “comandante da cena de ação”, assim designada a autoridade local a quem cabe tomar a maior parte das decisões táticas.

Tais nuances, na modesta opinião deste autor, explicariam o fato de subsistirem outras classificações no tocante aos “tipos de negociação”. Aqui será apresentada uma delas, conforme muito bem definido por Costa (2016):

a) Negociação real: é aquela que visa a rendição dos agentes perturbadores da ordem pública de forma pacífica. Também chamada de negociação técnica ou pura, emprega como ferramentas, dentre outras, a barganha, o atendimento de exigências consideradas razoáveis, a escuta ativa e a linguagem colaborativa. O propósito desse tipo de negociação está normalmente relacionado a ganhar tempo (para permitir a preparação da equipe tática; promover a redução dos níveis de adrenalina e/ou a metabolização de substâncias estranhas ao organismo, que podem estar retirando do criminoso a capacidade de agir de forma racional, dentre outras); a diminuição da violência e ao abrandamento das exigências.

b) Negociação tática: é o processo de continuação da negociação real, onde o diálogo e a manutenção do elo entre o negociador e os criminosos deve ser mantido. O que muda, no entanto, é o objetivo: ele está completamente voltado para apoiar a execução da ação tática (aquela na qual ocorre o emprego da força para debelar a ameaça, como citado anteriormente), seja por meio da coleta de informações, da criação de condições para o emprego da força ou, em alguns casos, até mesmo de sua participação direta na ação.

É importante mencionar que a decisão de evoluir de uma negociação real para tática não cabe ao negociador. Ela decorrerá da análise do comandante da cena de ação, que julgará – dentre outros aspectos – o grau de deterioração da situação e os riscos a terceiros (dentre esses, os reféns).

A realização do tiro de comprometimento (aquele realizado por atiradores de escol, também conhecidos como snipers, que tem o propósito de neutralizar o agressor), assim como a entrada em instalações em poder de agentes perpetradores com igual objetivo dependerá da autorização da operação, salvo em situações de comprovada emergência (por exemplo, a ameaça de iminente execução de um refém). Na ação executada contra o sequestrador que mantinha 39 reféns em um ônibus na ponte Rio-Niterói no RJ em 2019, por exemplo, o disparo de comprometimento foi autorizado comandante da cena de ação.

Continua na Parte 2…

Exploraremos os objetivos específicos desses tipos de negociação, os valiosos ensinamentos da prática e a avaliação do andamento do processo negocial. Não perca os detalhes essenciais para lidar com situações complexas de forma eficaz!

REFERÊNCIAS

COSTA, Cristiano Rocha Affonso da. Negociação de crises e reféns: o trabalho do negociador no gerenciamento de eventos críticos. Curitiba: Editora Matilda Produções. 1a ed. 2016.

MONTEIRO, Roberto das Chagas. Doutrina de Gerenciamento de Crises. Brasília: Acadepol DPF. 3a ed. 1997.

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