Uma análise técnica sobre a arte da negociação e como enfrentar um comportamento competitivo exacerbado em negociações assimétricas
A recente decisão do governo americano de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros oferece um laboratório fascinante para compreendermos as dinâmicas de poder em negociações internacionais. Mais do que uma simples disputa comercial, este episódio revela padrões comportamentais que frequentemente encontramos no mundo corporativo e que merecem análise técnica cuidadosa.
As justificativas: uma cortina de fumaça
Oficialmente, as tarifas foram justificadas por questões como a perseguição judicial ao ex-presidente Bolsonaro, ações do STF contra a liberdade de expressão que prejudicariam big techs americanas, e outros argumentos de natureza política. No entanto, uma análise mais profunda revela que essas justificativas funcionam como uma cortina de fumaça para mascarar a verdadeira insatisfação americana: o crescente alinhamento geopolítico do Brasil com blocos considerados anti-americanos, particularmente através dos BRICS.
Este movimento brasileiro em direção a uma multipolaridade que desafia a hegemonia americana representa, na verdade, o cerne da questão. As justificativas políticas apresentadas são convenientes, mas secundárias. O que realmente parece incomodar Washington é ver o Brasil, tradicionalmente um parceiro regional confiável, abraçando uma agenda que questiona o papel central dos Estados Unidos na ordem econômica global.
O governo certamente sabe, internamente, quais são os pontos de desconforto americano, seja em relação às políticas econômicas e a pauta política. Isso é discutido com frequência entre as agências estatais dos países.
Passa, com certeza, por programas de cooperação com a China, com as manifestações em relação a Israel e a condenação dos ataques feitos pela Ucrânia à Rússia – parceira no BRICS.
Nesse sentido, a economia é o pano de fundo de discussão de todos esses temas e o caminho encontrado por Trump para forçar o país a rever suas posições em diversas áreas.
O padrão “competitivo exacerbado” em ação
Do ponto de vista da análise comportamental em negociações, Donald Trump está aplicando um padrão clássico que denomino “competitivo exacerbado” – uma variação extrema do estilo competitivo identificado no teste Style Matters, criado por Ron Kraybill. Este padrão segue uma sequência previsível:
- Primeiro, coloca-se “os dois pés no peito” da contraparte com exigências extremas e ameaças de escalada. No caso brasileiro, temos a tarifa de 50% com a promessa de que qualquer retaliação resultará em aumento adicional.
- Em seguida, cria-se múltiplas justificativas para legitimar a pressão, estabelecendo uma narrativa que torna a agressão “compreensível”.
- Por fim, deixa-se implícito que futuras “concessões” poderão ser feitas, criando a ilusão de que a contraparte poderá “conquistar algo” no processo.
Esta tática é particularmente eficaz quando existe assimetria de poder – exatamente o que temos aqui. Enquanto os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, o Brasil representa uma fração insignificante do comércio americano. É o equivalente corporativo do fornecedor único fazendo chantagem com um cliente dependente.
Por que a abordagem funciona e como neutralizá-la
A eficácia desta abordagem reside em sua capacidade de explorar vulnerabilidades psicológicas. Ela cria urgência artificial, força decisões emocionais e estabelece uma ancoragem psicológica que favorece o agressor.
A tendência natural da parte pressionada é aceitar qualquer “concessão” posterior como uma vitória, mesmo que o resultado final seja prejudicial.
Na minha opinião, a resposta estratégica brasileira deve seguir uma combinação cuidadosa entre os estilos Evasivo e Colaborativo do Style Matters.
Na fase inicial, é fundamental adotar uma postura Evasiva Estratégica: não legitimar o prazo artificial imposto, ganhar tempo para mapear alternativas e consultar aliados. O caminho é resistir à tentação de responder imediatamente seja aceitando as condições ou retaliando.
A arte de negociar: uma transição para o colaboração
Após a fase evasiva inicial, avalio que o Brasil deve migrar para uma abordagem Colaborativa. Isso significa ampliar a agenda de discussão além das tarifas pontuais e propor conversas sobre parcerias estratégicas de longo prazo, que incluam energia, tecnologia, infraestrutura, além de outros temas de interesse mútuo.
O objetivo é transformar um confronto em uma oportunidade de colaboração, envolvendo terceiros relevantes como a OMC e outros parceiros comerciais. Ao elevar-se o nível da conversa, como diria William Ury, retira-se o foco da pressão imediata, criando assim espaço para soluções criativas.
Lições para o mundo corporativo
Este caso oferece lições valiosas para executivos que enfrentam situações similares no ambiente empresarial.
Quantas vezes vemos fornecedores fazendo chantagem, clientes impondo ultimatos ou sócios ameaçando com “ou aceita ou saio”? A resposta é sempre a mesma: nunca negocie com uma arma apontada para sua cabeça.
O princípio fundamental é desenvolver seu BATNA (Best Alternative to a Negotiated Agreement) antes de voltar à mesa de negociação. Sem alternativas sólidas, você está à mercê de quem detém mais poder. Com alternativas desenvolvidas, você pode negociar de uma posição de força, mesmo em situações de desequilíbrio aparente.
Conclusão: o único caminho é a negociação
A situação Brasil-EUA nos ensina que a verdadeira força em negociação não está em revidar a agressão no mesmo nível, mas em mudar as regras do jogo. Reagir emocionalmente e entrar no padrão de confronto direto é exatamente o que o agressor espera e deseja.
A arte está em resistir à tentação de descer ao nível da provocação e, ao invés disso, elevar o nível da conversa para um patamar onde a colaboração e o valor mútuo se tornem possíveis.
Como demonstra este caso, por trás das justificativas aparentes frequentemente se escondem motivações mais profundas – e é nesse nível mais profundo que as verdadeiras soluções devem ser construídas.
Para líderes e executivos, a lição é clara: quando alguém coloca “os dois pés no seu peito”, o poder está não em empurrá-los de volta, mas em criar um novo contexto onde ambos possam caminhar lado a lado em direção a objetivos compartilhados.
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