Poder de Influência, negociação e táticas na vida nacional

Sempre defendemos que todas as pessoas deveriam aprender sobre o tema “negociação”, pois ele permeia todas as nossas atividades – ainda que muitas vezes não percebamos isso. O caso desta matéria, de profundo impacto na vida nacional, é um ótimo exemplo (e é uma pena que ninguém ainda tenha feito análise similar).

Na última terça (dia 01 de agosto), o congresso nacional voltou do chamado “recesso de inverno” e Arthur Lira, presidente da Câmara, tomou uma medida que surpreendeu muita gente no governo.

Que medida foi essa? Pois bem, você se lembra do arcabouço fiscal? Esse é o nome pelo qual o “Regime Fiscal Sustentável” ficou publicamente conhecido.

Trata-se de um mecanismo de controle do endividamento que tem como propósito substituir o “Teto de Gastos”, criando um regime fiscal sustentável focado no equilíbrio entre arrecadação e despesas.

Após um grande “vai e vem” para acomodar interesses e muitas críticas pela demora na apresentação, ele foi proposto pelo governo e discutido pelas duas casas legislativas no final do primeiro semestre. Passou por uma “aprovação relâmpago” em maio na Câmara dos Deputados, em um processo duramente criticado pela oposição pela falta de transparência e tempo exíguo para apreciação. O texto aprovado, um substitutivo proposto pelo relator, limita o crescimento anual das despesas da União entre 0,6% e 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e traz regras que procuram manter as despesas abaixo das receitas a cada ano. No caso de existirem sobras de receitas, elas poderão ser usadas apenas em investimentos, buscando trajetória de sustentabilidade da dívida pública.

Ok, mas qual o ponto? O processo de tramitação prevê que o projeto deva passar pela Câmara e pelo Senado. Caso a segunda Casa Legislativa realize alterações no texto inicialmente aprovado, ele deverá obrigatoriamente retornar àquela por onde começou a tramitar, para análise e nova votação. E foi aqui que Lira surpreendeu a muitos.

Por ter sido modificado pelo Senado, caberia a Lira abrir nova votação para ratificar as mudanças ou retornar ao texto original. O que ele fez? Usando sua prerrogativa de determinar o que entra ou não na pauta, ele decidiu (após se reunir com o líderes partidários) que a votação do projeto seria adiada por tempo indeterminado.

A justificativa empregada foi a de que “não há consenso sobre as alterações feitas pelo senado”. No entanto, o que se observa é que Lira reforça seu Poder de Influência em uma questão que era dada como “resolvida” pelo governo.

Podemos identificar alguns interesses por trás dessa postura. O mais óbvio é o de forçar o governo a voltar à mesa de negociação. Ao agir assim, Lira cria uma moeda de troca, pela qual pretende uma vez mais (assim como os partidos que apoiam) conseguir mais poder junto ao Executivo Nacional, como por exemplo ministérios, cargos em estatais, etc.

Se usarmos como referência livro “Jogada de Mestre: as 48 mais poderosas táticas de negociação”, desenvolvido pelo Projeto de Táticas do Clube de Negociadores, é possível identificar a aplicação de táticas como “Muro de Pedra” e da “Mordida Final”. Ambas têm como efeito desejado obter vantagens adicionais.

A depender do andamento, pode-se considerar também a tática de “Recusa em Negociar”, que tal qual as demais pode ativar o gatilho de urgência no governo, levando-o a fazer concessões irracionais para conseguir colocar a medida em vigor.


Qual o impacto que a ação de Lira pode gerar? A nova lei é fundamental para a construção da proposta orçamentária de 2024, uma vez que substitui o atual teto de gastos, essencial nesse processo. Tic tac para o governo federal…


Que caminhos o governo pode seguir a partir de agora? A medida de neutralização comum a essas táticas envolve descobrir os reais interesses envolvidos e, por meio deles, construir um caminho para que as partes abandonem as posições. Uma outra possibilidade é a de trazer novos players para o jogo (a mídia é um bom exemplo), fazendo com que o custo da medida adotada pelo presidente da Casa Legislativa fique alto junto à opinião pública.


Outro caminho, que pode ser adotado junto aos demais, passa por identificar que interesses Lira e outros membros influentes teriam localmente em seus redutos eleitorais e passar a atuar nessas frentes – seja para atender ou, em uma postura mais agressiva e arriscada, causar danos, criando assim uma moeda de troca na negociação.


Na nossa opinião é que o governo federal, para qualquer que seja a escolha e por mais habilidoso que seja, precisará realizar novas concessões para conseguir o seu intento. Se tais concessões já faziam parte de uma “gordura” no processo negocial, o dano será pequeno. Do contrário, serão perdas efetivas que não estavam previstas inicialmente.


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