Negociação em cenários complexos: o que na verdade está em jogo?

Negociações complexas em ambientes multifacetados são como navegar em um labirinto de espelhos: cada movimento reflete não apenas interesses declarados, mas estratégias ocultas, egos feridos e jogos de poder que raramente aparecem nos discursos públicos. É a ponta do iceberg que vemos, enquanto a massa crítica de motivações e objetivos permanece submersa.

E quando as negociações envolvem poder e dinheiro público?

Quando o assunto envolve dinheiro público, tributos e disputa entre os Poderes, a complexidade se multiplica exponencialmente. O debate sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é um exemplo perfeito dessa dinâmica. O que parece uma discussão técnica sobre taxação financeira esconde um embate político muito mais profundo, revelando as verdadeiras prioridades de cada ator:

🔹 O Congresso busca reafirmar sua autonomia e “mostrar serviço” – Com o período eleitoral se aproximando, deputados e senadores precisam demonstrar que estão protegendo o bolso do eleitor. Barrando aumentos de impostos, eles capitalizam politicamente, posicionando-se como defensores da população contra um governo visto como gastador. Mas há mais: a resistência ao IOF também é uma forma de frear o poder do Executivo, reafirmando o papel constitucional do Legislativo como fiscalizador e co-formulador de políticas fiscais. É uma demonstração de força, um “freio de arrumação” para o Executivo.

🔹 O Executivo tenta equilibrar as contas sem cortar gastos estruturais ou politicamente sensíveis – O governo, por sua vez, enfrenta um dilema: precisa reduzir o déficit público e sinalizar responsabilidade fiscal ao mercado, mas sem tocar em despesas estruturantes (como certas políticas sociais, salários de servidores ou subsídios) que gerariam alto custo político. Daí a estratégia de apresentar o IOF como um “imposto sobre os ricos”, minimizando seu impacto percebido e buscando desmobilizar a oposição. Essa narrativa, porém, não encontra amparo pela realidade da abrangência do imposto.

Os Interesses não revelados – e por que eles importam

Em negociações complexas de alto nível, o que não é dito é tão importante quanto aquilo que o é. Esse caso do IOF é típico: é fundamental identificar e analisar os interesses (as necessidades e desejos subjacentes) por trás das posições (o que é declarado publicamente). Vamos a eles:

Para o Congresso, a resistência não é apenas sobre justiça tributária – é fundamentalmente sobre controle e influência. Se o governo consegue aumentar impostos unilateralmente, enfraquece o Legislativo e sua capacidade de influenciar a agenda econômica. Uma vez que barrem o aumento, reforçam sua influência sobre o orçamento, sobre a agenda legislativa e sobre futuras negociações com o Executivo, sinalizando que qualquer medida fiscal precisa passar pelo crivo parlamentar.

Para o Executivo, a medida não é só arrecadatória – é sobre sobrevivência política e credibilidade fiscal. A aprovação do IOF seria um sinal de que o governo tem capacidade de articulação e controle sobre sua base no Congresso. Nesse sentido, perder essa batalha sinaliza fragilidade na articulação, abrindo espaço para novos embates e minando a confiança do mercado na capacidade do governo de gerir as contas públicas e cumprir suas metas fiscais.

Para o mercado e a população, o debate esconde outra questão central: qual é o verdadeiro problema fiscal e a estratégia de longo prazo? O governo quer resolver o rombo aumentando receita, enquanto o Congresso pressiona por corte de gastos. A falta de um consenso sobre a “âncora fiscal” e a estratégia de ajuste gera incerteza, impacta a confiança dos investidores e a estabilidade econômica.

Como negociar nessa tempestade?

A chave para desbloquear negociações complexas reside na capacidade de ir além do confronto direto e buscar soluções criativas que atendam aos interesses subjacentes de todas as partes. Aqui trago alguns insights que considero muito importantes:

  1. Identifique os Cisnes Negros e os Interesses Ocultos – Quais são as verdadeiras motivações por trás das posições públicas? Em vez de focar no “sim ou não” ao IOF, é preciso investigar os porquês. Uma vez que o Congresso quer “proteger o contribuinte” e exercer controle, será que há espaço para negociar um IOF temporário, com uma sunset clause, vinculado a metas claras de ajuste fiscal e acompanhado de medidas de controle de gastos apresentadas pelo Executivo? Já que o governo precisa de arrecadação, será que pode abrir mão de algum gasto controverso ou conceder maior autonomia orçamentária ao Legislativo em troca? A negociação de trade-offs é essencial.
  2. Transforme o conflito em oportunidade para criação de valor – substitua a disputa binária (“aumenta ou não aumenta?”), por uma discussão de como tributar e o que mais pode ser feito para resolver o problema fiscal. Exemplos de soluções integrativas:
    • Um IOF escalonado, que só incida sobre operações financeiras acima de determinado valor, com isenções para pequenos investidores ou operações essenciais, mitigando a percepção de que atinge a todos indiscriminadamente.
    • Uma contrapartida clara: se o governo obtém a arrecadação via IOF, compromete-se a enviar ao Congresso um plano detalhado de contenção de gastos ou de reforma administrativa, com metas e prazos definidos.
    • A vinculação do IOF a um fundo específico, com prestação de contas transparente, que garanta que a arrecadação será usada para um fim socialmente aceitável, como investimentos em infraestrutura ou saúde.

Um ponto a mais a considerar: o timing eleitoral

Em ano de eleição, ninguém quer ser visto como “o que aumentou impostos”. Essa é uma restrição, mas também uma oportunidade. A necessidade de capital político pode forçar um acordo que permita a ambos os lados “salvar a face” e apresentar uma vitória aos seus eleitores.

Quer um exemplo de como fazer isso? o governo abre mão de parte do aumento; em troca, o Congresso aprova medidas de eficiência fiscal e/ou destina a arrecadação para um programa popular. Isso permite que ambos os lados reivindiquem o crédito pela “defesa do cidadão” ou pela “responsabilidade fiscal”. O risco de não chegar a um acordo (o BATNA – Best Alternative To a Negotiated Agreement) pode ser pior para ambos, especialmente em um cenário de instabilidade fiscal.

A Lição para Líderes e Negociadores

O caso do IOF mostra que, em negociações complexas que envolvem conflitos institucionais, a disputa nunca é apenas sobre o que está na mesa. É sobre poder, narrativa, sobrevivência política e a gestão da percepção pública.

Quem domina a arte da negociação estratégica enxerga além do óbvio, aplicando princípios como a “negociação baseada em princípios” (Fisher e Ury):

  • Não se prenda às posições – Busque incansavelmente os interesses ocultos e as motivações subjacentes de cada parte.
  • Crie opções de ganho mútuo – Em vez de uma lógica de “quem cede mais”, pense em “como ambos podem sair fortalecidos”. como? usando soluções inovadoras (integrative bargaining).
  • Use a comunicação a seu favor – A framing da questão é tão importante quanto a substância. Se o governo diz que o IOF é “só para ricos”, o Congresso pode rebater com dados sobre a regressividade do imposto. Se o Legislativo diz que “o problema é gasto”, o Executivo pode mostrar onde cortar e o impacto disso. A narrativa molda a percepção pública e a pressão política.

No fim, o grande desafio não é vencer o debate a qualquer custo, mas sim transformar o conflito em colaboração, encontrando um caminho que permita a ambos os Poderes avançar em suas agendas, mesmo que com concessões, em prol de um objetivo maior de estabilidade e governabilidade.

A pergunta que fica então é: como você tem aplicado os conceitos de negociações complexas nas suas interações do dia a dia? Isso pode fazer toda a diferença nos seus resultados!

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